Gotham: Recriando As Estórias dos Super-Heróis Sem Os Super-Heróis

“Não hã nada mais perigoso do que um homem honesto”, diz Sal Maroni (David Zayas) a Don Falcone (John Doman) sobre o Detetive Gordon. (episódio 7 da 1a. temporada, “O Guarda Chuva do Pinguim”). Imagem: Reprodução/Internet.

Historicamente, ao sair das revistas em quadrinhos, os super heróis foram para a televisão antes de chegarem aos cinemas. Na atual ‘renascença’ da televisão com suas séries de alta qualidade de produção, nada mais natural do que tais personagens retornem ao pequeno aparelho de entretenimento doméstico. Mas, mesmo na telinha, o quê mais pode ainda ser reinventado no mundo dos quadrinhos sem correr o grande risco de decepcionar o público?

O conceito da nova série da Fox, Gotham, tinha tudo para decepcionar. Mas quem assistir a série poderá ter uma reação exatamente oposta. A série é boa. E pode ainda se tornar muito melhor.

Por mais que tentemos ignorar os heróis das histórias em quadrinhos, Hollywood não nos deixa esquecê-los. Jamais. Suas estórias são recriadas, remontadas, e recontadas. Suas vestimentas excêntricas, que cobrem suas verdadeiras identidades, são re-figurinadas de tempo em tempo. Novos atores lhes dão novas caras e personalidades com pequenos detalhes de retoque para que os antigos poderosos sejam apresentados às novas gerações.

Todo esse negócio de re-imaginar super-heróis, ato gerador de uma receita bilionária, ainda é capaz de criar uma euforia em milhões de marmanjos. Tais recriações de velhas estórias de velhos super-heróis, na maioria das vezes—sejamos sinceros—podem ser decepção garantida.

Mas algumas das novas produções daquelas velhas estórias são boas, algumas são excelentes, especialmente quando caem no gênero de filme de ação—como a trilogia de Christopher Nolan do Batman, protagonizadas por Christian Bale, por exemplo. Mas o quê dizer dos super heróis que retornam à telinha?

A telessérie Gotham talvez não seja necessariamente algo novo dentro da relação entre os heróis dos quadrinhos e a televisão, mas se utiliza da ausência de um conhecido super herói para apresentar o porque da necessidade de um. Por isso a série pode não agradar vários dos fãs dos quadrinhos do Batman, pelo simples fato de ainda não haver Batman.

Gotham faz parte do gênero “estória da origem”; ou, “como Bruce Wayne se tornou Batman” tipo de série. Em Gotham, vemos o herói se formar. Mas além da trama principal (o assassinato de Thomas e Martha Wayne, os pais do pequeno Bruce), em cada episódio a série lida com um caso para a polícia de Gotham solucionar. Desta forma, a série também se torna em uma “série policial”, mesmo que a maioria dos casos sejam surreais, bem dentro do estilo dos antigos quadrinhos de super-heróis.

Mas o fato de Bruce Wayne ter se tornado órfão ainda garoto não é o argumento principal para a existência do Batman dentro da série. O meio ambiente no qual Bruce se torna órfão é a parte importante do contexto que cria o cavaleiro das trevas. Dentro deste quadro, Gotham é a própria escuridão, onde a corrupção estrutural leva a cidade ao total fracasso na aplicação da lei, da ordem, da justiça.

O fato de que a cidade fictícia (que nos quadrinhos foi baseada na cidade de Nova York) ser um local onde o caos impera e a corrupção é a máxima, faz de Gotham ser uma cidade muito semelhante a várias grandes metrópoles do mundo real. E isto dá uma relevância universal a série. Muitos de nós no Brasil pode, automaticamente, se identificar com os cidadãos de Gotham.


Ben McKenzie como o Detetive Gordon. (Imagem: Reprodução/Internet)

Gothan, no entanto, não se concentra em Bruce Wayne mesmo que o menino seja um dos personagens principais. O mocinho é o Detetive Gordon—que nos quadrinhos já é apresentado como o Comissário de Polícia que tem contato direto com Batman. E Gordon não é nenhum justiceiro, pois ele é um agente da lei, e isto reinforça a ideia de série policial. Ele é o policial herói.

Mas qual seria o super poder de um policial?

“Não hã nada mais perigoso do que um homem honesto”, disse Sal Maroni, que na série é um Mafioso que divide o controle da cidade com Don Falcone, seu rival, outro mafioso, enquanto faziam um pacto de paz à beira do cais. Ele se referia ao Detetive Gordon, um dos pouquíssimos policiais que ousaram a desafiar o crime organizado.

Ou seja, o super poder do Detetive Gordon é a honestidade; sua fidelidade à lei e à justiça. A fórmula básica da telessérie é lidar com o ser comum que se encontra perdido dentro daquela cidade corrompidamente podre: o homem comum, mas acima de tudo, honesto.

“Essa é a situação tratada na série—a forma como se lida com crime deste nível quando não há super-heróis, quando apenas existem homens e mulheres mortais, comuns, tentando resolver essas questões”. A série é “tanto sobre a esperança e a luta na qual eles estão comprometidos quanto pela espera de um salvador. Trata-se de homens e mulheres, e não sobre super-heróis, e para mim essa é a história mais interessante”, disse Bruno Heller, o criador, roteirista, e produtor executivo da série—que tem no currículo, nada mais nada menos do que a fantástica série da HBO, Roma.

Em Gotham, o Detetive Gordon desenvolve uma amizade com o pequeno Bruce quando inicia a investigação da morte dos pais do menino, que é posto sob a guarda de seu mordomo Alfred. Na série, o fiel mordomo dos Waynes usa sua experiência militar para proteger e também treinar Bruce, pois ele nota que o menino começa a desenvolver uma crescente necessidade de não apenas procurar vingança pela morte de seus pais, mas de busca por um senso de justiça a ser instaurada em toda a cidade de Gotham, inclusive dentro das empresas Wayne. Gordon e Alfred, assim, se tornam modelo de comportamento para o futuro herói, o Batman.

Ao investigar a morte do casal Wayne, os milionários bondosos e patronos de Gotham, o novato James Gordon (vivido pelo ator Ben McKenzie) embarca no seu primeiro caso como detetive no Departamento de Polícia de Gothan City. Ele se torna o novo parceiro do veterano Harvey Bullock (Donal Logue), policial indolente, um bom policial mas já corrompido pelo sistema, o qual Gordon consegue levar para o seu lado.

Harvey instrui Gordon sobre o submundo de Gotham, apresentando-o a figuras chaves da contravenção local, como Fish Mooney, interpretada com muito brilho por Jada Pinkett Smith—quase irreconhecível. Interessantemente, Fish é uma nova vilã apresentada na série, pois nunca esteve presente nos quadrinhos do Batman.

Fish Mooney (Jada Pinkett Smith) e Pinguim (Robin Lord Taylor). Imagem: Reprodução/Internet.

A série também apresenta a origem de alguns conhecidos vilões das estórias do Batman, como por exemplo: o Pinguim, muito bem interpretado pelo ator Robin Lord Taylor que fez rápidas aparições na série The Walking Dead; a Mulher Gato, vivida pela jovem atriz Camren Bicondova, aqui como uma menina de rua que se torna amiga e paixonite do menino Bruce, vivido pelo ator David Mazouz; o Charada, um estranho técnico forense da polícia, de comportamento irritante por sempre oferecer charadas a serem resolvidas, interpretado pelo ator Cory Michael Smith.

Gotham, ainda não sendo uma série excelente, pois falta um pouco de foco já que nos perde com as inúmeras estórias paralelas que se iniciam e acabam em cada episódio sem que todas essas tenham alguma ligação com a trama principal. Mas Gotham se torna muito boa uma vez que, além de nos apresentar uma nova perspectiva sobre o velho super herói, ela tem como grande trunfo, tanto o seu tema atual quanto o seu alto investimento na qualidade de produção, a começar pela criação de um visual gótico-contemporâneo através da mistura de uma Nova York dos gangster dos anos de 1930 com o céu e atmosfera constantemente nublados es escuros de uma Londres das ficções macabras do século 19.

Mas esta qualidade não se limita ao visual gótico e ao roteiro. Esta se estende ao desempenho dos atores, com grande ênfase na criação dos personagens Fish Mooney e Pinguim por Jada Pinkett Smith e Robin Lord Taylor, que conseguem roubar todas as cenas em que aparecem.

A série Gotham é transmitida pelo Canal Fox.

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