Oscar 2015: A Árdua e Subjetiva Tarefa de Se Escolher o Melhor Filme

Cartazes dos Filmes Indicados ao Oscar de Melhor Filme 2015. (Imagem: Reprodução/Internet).

A lista dos indicados ao Oscar 2015 de melhor filme nos faz pensar sobre a subjetividade da tarefa de escolher quem serão os escolhidos.

É claro que críticos de cinema, bem como o público, se dividem todos os anos sobre quais filmes devem concorrer ao prêmio, e qual deles deve ser escolhido como o melhor. Em 2015, claro, não seria diferente. Mas por que Interstellar e O Abutre, entre outros excelentes filmes, não estão concorrendo a melhor filme?

Mas o que seria escolher os “melhores” filmes? “Uma competição cinematográfica não é algo subjetivo?”

Em uma cena do filme Whiplash, o personagem principal, Andrew Neyman (vivido por Miles Teller), um jovem que aspira ser o melhor baterista de sua geração, durante o jantar de ação de graças vê suas escolhas e conquistas profissionais sendo ignoradas a favor daquelas dos seus—supostamente—primos, principalmente Travis (Jayson Blair), jogador de futebol americano. A cena ilustra a eterna luta entre “artes” e “esportes” (interessantemente, o professor de música, muitas vezes soa como um técnico desportivo obsessivo com a vitória do seu time). Ninguém à mesa parece ter o mínimo interesse no fato de Andrew ter se tornado (depois de muito suor e sangue) o primeiro baterista da orquestra principal do conservatório onde ele estuda. Quando Andrew, em mais uma tentativa de elevar sua conquista durante o jantar, menciona que ele era o mais jovem músico da orquestra e que iria participar em competições, seu primo jogador diz:

Como é escolhido o vencedor da competição? Uma competição musical não é algo subjetivo?

Convicto, Andrew responde, “Não”.

Muitos podem concordar com a resposta de Andrew, que no filme estuda e vive vigorosamente a área técnica da arte musical. Mas levando em consideração o ditado que diz “gosto não se discute”, muitos outros, mesmo concordando que música, ou arte em geral, não seria algo tão subjetivo, teriam uma certa dificuldade em responder qual a melhor canção do século 20, ou do ano de 2014. Da mesma maneira pela qual críticos de cinema, cinéfilos, e simples expectadores, poderiam ter uma certa dificuldade para responder a pergunta “Qual o melhor filme do ano”.

Nos esportes, o primeiro fator para uma pergunta semelhante seria o número de pontos que um time, jogador, ou um atleta fez. Certamente, escolher a melhor música do século é algo mais subjetivo do que se escolher o melhor ‘gol’ do século. Nos esportes vê-se a obra (a partida, o embate) sendo construída, e quem assiste ajuda em sua construção; na música assim como no cinema consumimos a obra já finalizada. Entretanto, em ambos os mundos, técnica e talento são fundamentais. Mas é só nas artes (obra finalizada) que a recepção do público é mais importante, pois um filme, por exemplo, além da técnica e do talento, tem necessariamente que tocar emocionalmente o expectador ao ponto deste dizer, “adorei este filme”, ou levá-lo a pensar sobre o que viu durante um tempo.

No cinema, assim como na música, chegar a uma conclusão sobre quem é o melhor do ano nas já conhecidas categorias, é algo bem difícil e totalmente contestável—vide os ataques que o “gênio” egomaníaco e rapper Kenye West deu em duas ocasiões nas premiações do Grammy, tendo como motivos as derrotas que Beyoncé levou.

Mas tem algo interessante este ano. Todos os filmes concorrendo ao Oscar de melhor filme seguem a linha biográfica de uma forma ou outra. Alguns são baseados em fatos reais: Selma, Foxcatcher, A Teoria de Tudo, Sniper Americano e O Jogo da Imitação. O Grande Hotel Budapeste foi baseado no livro de memórias de Stefan Zweig, “Mundo de Ontem”. Os outros são quase-biografias como no caso de Whiplash e Boyhood que nasceram das experiências e vivências dos diretores, sendo Birdman a única obra não-biográfica, ou baseada em fatos reais, mas que nos força a traçar uma tímida comparação entre a trajetória do personagem principal com aquela do ator que o interpreta.

Mas é Birdman, ou A Inesperada Virtude da Ignorância que diretamente questiona a indústria do entretenimento. O personagem principal (Riggan Thomson, interpretado por Michael Keaton é um ator que tenta retomar sua carreira, deteriorada desde de sua grande fama de 10 anos antes quando viveu um super herói em filmes de ação, o Birdman (‘Homem Pássaro’). Usando seu próprio dinheiro, Riggan decide financiar uma peça na Broadway e assim provar seu talento.

Em um bar ele aborda a crítica de teatro Tabitha Dickinson (vivida pela atriz Lindsay Duncan) famosa pelo poder que tem de elevar ou destruir qualquer produção teatral. Riggan pergunta a Tabitha se ele fez ou disse alguma coisa que a tinha ofendido, e ela responde, “Na verdade, você fez. Você está tomando o espaço de um teatro que, de outra forma, poderia estar sendo usado para algo que valha a pena”. Riggan diz que ela não ainda não assistiu a peça, e ela dispara,

É verdade (…), mas amanhã após a estreia, eu vou escrever a pior crítica que alguém já leu, e vou destruir sua peça. Você gostaria de saber porquê? Porque eu te odeio e odeio todos aqueles que você representa. Crianças intituladas, egoístas e mimadas; totalmente despreparadas, desconhecedoras, e sem experiência para produzir arte de verdade; entregando prêmios umas as outras por desenhos animados e pornografia, e medindo o quanto valem com base nas bilheterias de finais-de-semana. Bem, isso aqui é teatro

Talento no cinema existe, é óbvio. Tabitha exagerou. Talvez em um ato de defesa ao teatro—mesmo quando não são todos os críticos de teatro criaturas cruéis igual a personagem, fato que na verdade levou um deles a classificá-la como uma tendência clichê cinematográfica. Mas enquanto defende a polarização ‘atores Vs. celebridades’, Tabitha critica o mundo do cinema e as cerimônias de premiações, e demarca o espaço do teatro pertencendo a arte de verdade, ou seja, aos atores. O cinema, do outro lado, às celebridades. A cena expõe a realidade de muitos atores que um dia foram estrelas ou celebridades, mas que nunca tiveram a chance de provar seu real talento—como já mencionado, de forma longínqua reflete a estória pessoal de Michael Keaton que já foi o grande Batman nos anos 80, muito embora no seu caso, talento nunca tenha sido uma questão, mesmo assim o filme é um ‘grande’ retorno de Michael já que ele é um dos indicados ao prêmio de melhor ator.

A questão é que no fim alguém tem que levar o prêmio. Sim, mas quem vai levar o Oscar 2015 de melhor filme?

Considerando que os membros da “Academia” são membros do mundo do cinema, as críticas de Tabitha não soariam tão ofensivas a eles, pois a personagem é pura caricatura. Muito pelo contrário. Os membros da Academia simpatizarão com Riggan e o filme o eleva ao mostrar que tudo é possível, até mesmo voltar das cinzas como um Fênix depois de um longo tempo de esquecimento do público. Por isso—e por ser um dos poucos filmes indicados que são inovadores, e que arriscaram artisticamente com um excelente trabalho de cinematografia e de câmera que faz todo filme parecer uma única tomada—Birdman pode levar o prêmio de melhor filme.

Mas Boyhood também(!), já que tanto a produção quanto os atores levaram o termo “comprometimento a arte cinematográfica” ao pé da letra quando fizeram um pacto de 12 (doze!) anos com o projeto do filme. Fato este que explica, em muito, a nomeação de Patricia Arquette e Ethan Hawke como melhores atriz e ator coadjuvantes, respectivamente—que no caso de Patricia, tal comprometimento de 12 anos só adiciona um grande bônus à sua muito boa atuação. Boyhood, considerando o tempo para sua realização, também arriscou, e muito.

Whiplash, ao que tudo indica, tem poucas chances de levar o prêmio, muito embora seja um filme muito bem executado, e com uma intriga psicológica sadomasoquista entre professor e aluno perturbadoramente cativante—sem se tornar um suspense de horror como foi o ótimo Cisne Negro de 2010. Mas mesmo fora do páreo, o filme pode se tornar um novo Cult: O sádico professor Fletcher é o personagem do momento; e os tapas na cara?! A formidável, precisa, e explosiva atuação de J.W. Simmons não é novidade para quem acompanha a carreira do ator (Law&Oder e Oz, por exemplo, mostram os extremos e alcance de seu talento).

Os outros filmes, quase sem exceção, procuraram perfeição. São enxutos e muito bem polidos. Alguns emocionam o expectador com bastante força. Mas com exceção de O Grande Hotel Budapeste, que na opinião deste Blog se junta a Boyhood e Birdman em qualidade, os outros indicados não são obras tão audaciosas ou inovadoras ao ponto de levarem o Oscar de melhor filme. Pra falar a verdade, talvez O Grande Hotel Budapeste seja a obra-prima de Wes Anderson—ou o filme onde Wes Anderson é mais Wes Anderson. Wes tem sido ignorado pelos Oscars por muito tempo, então... ter sido indicado significa algo.

Selma foi indicado por 4 motivos aparentes: 1) por ser um filme excelente, muito bem dirigido, de roteiro bem amarrado, e com ótimas atuações; 2) pela importância da figura de Martin Luther King Jr. na história dos EUA; 3) para compensar o fato de que nenhum atriz/ator negro tenha sido indicado para uma das 4 categorias de atuação; e 4), pelo fato do filme em sua lista de produtores conter, além de Brad Pitt, o nome de “Oprah Winfrey”, que também atua no filme—e ninguém, mas ninguém, gostaria de ver Ophra irritada!

Com Selma, a Academia perdeu a enorme chance de nomear a primeira mulher negra para melhor direção, Ava DuVernay. Principalmente após um ano repleto de tensões raciais. Mas um fator leva Selma a ter poucas chances de levar a estatueta: 12 Anos Escravo ganhou o prêmio de melhor filme no ano passado, o que deverá preencher a ‘cota’ de filmes negros nos Oscars por mais alguns anos, quiçá décadas. Agora, David Oyelowo na pele de Martin Luther King Jr. totalmente merecia a indicação de melhor ator.

Pelo fator histórico da relação entre “política”, “guerra”, e “patriotismo”, o filme Sniper Americano também pode levar a estatueta. Mas… embora a atuação de Bradley Cooper tenha sido muito boa e de o filme ter recebido uma excelente e típica direção de Clint Eastwood, queira-se ou não, o filme soa totalmente como panfleto pró-guerra ao Iraque, mesmo quando hoje é mais do que sabido que esta foi um dos maiores fiascos políticos estadunidenses desde a guerra no Vietnã. Mas no fundo o filme é apenas uma biografia altamente romantizada de um soldado. E Hollywood adoooooora soldados. (Agora, por que Sienna Miller não foi indicada a melhor atriz? Sua atuação foi, de longe, bem melhor do que a de Keira Knightley em O Jogo da Imitação?)

Sobram as outras três obras baseadas em fatos reais, Foxcatcher, A Teoria de Tudo, e O Jogo da Imitação.

Foxcatcher é um filme visualmente perfeito e com grandes atuações (com ou sem nariz postiço), mas com uma estória que se torna um tanto quanto entediante. A Teoria de Tudo e O Jogo da Imitação também visualmente agradáveis e elegantes (bem britânicos), e com grandes atuações (principalmente de Eddie Redmayne, Felicity Jones, e Benedict Cumberbatch—os 3 indicados a melhores atores e atriz), são parte do gênero “filme-homenagem” ou, no caso de O Jogo da Imitação, um “resgate-histórico”. Os dois têm temas valiosos e sérios. Mas são um tanto quanto didáticos.

Se a lista de filmes que concorrem ao Oscar de Melhor Filme de 2015 não é a das melhores, qual seria a lista perfeita? Qual filme não indicado deveria ter concorrido ao Oscar? Pois é… É difícil dizer.

Em todo caso, se Birdman, Boyhood, ou O Grande Hotel Budapeste ganhar, indicará que, dentro do possível, a subjetividade pode ser objetiva. Mas a verdade é que, subjetivamente falando, o Melhor Filme é aquele filme que você mais gostou.

(Para saber mais sobre como funciona a escolha dos melhores filmes que concorrerão ao Oscar, dê uma lida no ótimo artigo de Pablo Villaça “Como Vencer Um Oscar”, onde ele explica, como ele mesmo diz, “a estranha matemática que o Oscar usa para eleger o Melhor Filme”.)

c&p


Um comentário:

  1. Não há dúvida de que os prêmios Oscar deste ano estavam cheios de surpresas. Vá a uma das indicações mais esperado foi do filme Foxcatcher ,uma história de drama e por que não para segurar, onde a paixão e amor pelo esporte são distorcidas pelos interesses dos outros.

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