William Mortensen: Fotografia e Pesadelo no Início do Século 20

Sem Título (“Cena da bruxa na estaca”), William Mortensen (aprox. 1927). “Uma bruxa nua aguarda o seu destino nas chamas da fogueira, muito embora a sua figura elegante permaneça calma contra a estaca. Abaixo dela, seus acusadores ávidos em seus mantos pretos parecem ser mais maléficos do que ela, e suas expressões são tão perturbadoras quanto o terrível castigo dado a ela. O grotesco aparece não só por meio da ação física; ele também reside dentro de nós”. (Claire Voon)
(Imagem: Reprodução/Internet; Hyperallergic)

A violência, a nudez, e o oculto entram em colisão na arte de William Mortensen (1897-1965). Suas fotografias altamente perturbadoras baseavam-se primariamente nos temas “medo”, “morte” e na “nudez feminina”.

Muitas das fotografias de William Mortensen soam como verdadeiros pesadelos. Por isso há alguns, ou vários adjetivos para definir a sua arte assim como há vários termos para definir o artista. Claire Voon, por exemplo usa o termo anticristo no título de seu artigo para o site Hyperallergic sobre o fotógrafo e sobre a atual exibição das suas obras em uma galeria do Brooklyn.

Entretanto, Claire Voon não usa o termo para definir o fotógrafo ou a sua fotografia. A escritora usa a expressão para revelar o nível de objeção à obra do artista por parte de outros fotógrafos da época, já que o termo foi usado por Ansel Adams. Adams era um grande defensor da revelação fotográfica direta e líder do Group f/64 que uma vez afirmou: “Para nós, Mortensen era o anticristo”. Cary Loren, em seu ensaio sobre o fotógrafo, acrescenta que além de “anticristo”, Ansel Adams também descreveu Mortensen como sendo o “demônio”, e que os historiadores parecem ter concordado com Adams, já que “há pouca menção a Mortensen na maioria dos principais livros de história da fotografia”.

“Quando o mundo do grotesco é conhecido e apreciado, o mundo real se torna enormemente mais significante”. (Mortensen

Somente usando um rápido e simples olhar observador sobre as fotografias de Mortensen, fica clara a razão do conflito entre a sua arte e os setores mais puritanos do mundo da fotografia, e também do público daquela época. E por isso, talvez, que depois de sua proeminência nos anos 1930 e 1940, Mortensen ainda hoje seja um nome obscuro na história da fotografia.

Lucii Ferraris, William Mortensen (aprox. 1927).
(Imagem: Reprodução/Internet; Hyperallergic)

Belphegor, William Mortensen (aprox. 1934-35). “Existem vários livros curiosos—notadamente Le Dragon Rouge e Le Grand Grimoire—que contém retratos detalhados de muitos desses demônios” —Mortensen.
William Mortensen tinha um forte interesse pelo ocultismo e planejava fotografar uma enciclopédia de Demônios, Feitiçaria, e Práticas de Feitiçaria do qual este retrato de Belphegor é um exemplo”.
(Imagem: Reprodução/Internet; 50 Watts)

Cary Loren diz que Mortensen foi

“um dos fotógrafos mais conhecidos e respeitados nos EUA na década de trinta. Ele trabalhou principalmente no sul da Califórnia como fotógrafo em Hollywood e como retratista, e mais tarde ensinou seus métodos e ideias para gerações mais jovens. (Ver biografia online de Mortensen escrita por Larry Lytle.) Hoje, a obscuridade de Mortensen se deve principalmente à defesa que ele fez do pictorialismo, uma força dentro do mundo da fotografia que promovia o retoque, o trabalho à mão em negativos, as lavagens com químicos, e uma abordagem de pintura artística, e que logo desapareceu com o avanço do modernismo”.


Woman with Skull (“Mulher com um Crânio”), William Mortensen (aprox. 1926).
(Imagem: Reprodução/Internet; Hyperallergic)

Johan the Mad (“Johan A Louca”), William Mortensen (1931). Neste trabalho também ecoa o conceito de que ‘o grotesco aparece não só por meio da ação física; ele também reside dentro de nós’, uma vez que o estado mental de Johan já é evidente no título da obra. Mas mesmo sem a descrição gritante, a sua cabeça virada, o torcido do seu lenço em sua cabeça, e seus olhos fixos, fazem alusão ao seu trauma psicológico. (Claire Voon)
“Por conta de sua louca e trágica jornada através dos reinos da Europa, levando consigo o cadáver de seu amado marido, ela passou a ser um símbolo e protótipo da busca atormentada por algo irremediavelmente perdido”. —Mortensen

(Imagem: Reprodução/Internet; 50 Watts)

Antes de dirigir seu talento às suas fotografias de “alto risco”, Mortensen construiu uma carreira muito boa como fotógrafo comercial em Hollywood. E foi na terra do cinema que cresceu o seu interesse nas fotos encenadas e nos efeitos de pós produção. Em Hollywood ele teve o diretor Cecil B DeMille como mentor. Este também foi o local onde ele pode fotografar os grandes astros do cinema da época, entre eles Rudolph Valentino, Lon Chaney, Fay Wray, Jean Harlow, Clara Bow e Peter Lorre. Em Hollywood ele também fotografou cenas de filmes enquanto estes estavam sendo gravados. Pelo fato de seu estúdio de fotografia estar localizado dentro da Western Costume Company (Companhia Western de Fantasias) ele tinha acesso a adereços e fantasias.

Machiavelli, William Mortensen (aprox. 1935). George Dunham, amigo e grande colaborador de Mortensen, posa como Niccolo Machiavelli.  “Um dos muitos temas históricos abordados por Mortensen que o levou a ser insultado pelos fotógrafos modernistas e excluídos dos livros de história”. (Cary Loren)
(Imagem: Reprodução/Internet; 50 Watts)

Auto Retrato (Mortensen como o Chapeleiro Maluco”), William Mortensen (aprox. 1928).
(Imagem: Reprodução/Internet; 50 Watts)

“Mortensen estava longe de ser um artista vulgar preocupado com material outré (aquilo que se desvia do comum, do convencional, e do apropriado). Ele era extraordinariamente instruído e curioso, não apenas sobre arte e cultura, mas também sobre ciência e religião. (…) Sua curiosidade intelectual levou a uma amizade com Manly P. Hall, um filósofo e místico canadense de traços fortes que vivia em Los Angeles. Através do estudo da volumosa biblioteca de ocultismo de Hall, Mortensen se inspirou a criar uma série de imagens marcantes (mais de cento e cinquenta), com a intenção de montar uma história pictórica da bruxaria. Essas imagens de bruxas voando sobre os telhados e os seus retratos de demônios, súcubos, gárgulas e vampiros, devem muito a Goya e Bosch”. (Chris Campion)


Preparation for the Sabbot (“Preparação para o Sabbot”), William Mortensen (aprox. 1926). (Sabbot: variação de Sabbath, que no folclore europeu se refere a um encontro secreto de bruxas e feiticeiros, caracterizado por ritos orgíacos, danças, banquete etc.)  “Aqui está a razão para o efeito ambíguo da arte grotesca causado em muitas pessoas: o material é desconhecido e, pelos padrões comuns, desagradável: ainda que este suscite uma profunda resposta instintiva. Assim, as pessoas ficam divididas entre repulsão e atração...” – Mortensen
(Imagem: Reprodução/Internet; 50 Watts)

A fotografia de William Mortensen são exemplo do Tableau Vivant (plural, tableaux vivants), ou “pintura viva”, que se refere a uma forma de entretenimento que se originou logo após o advento da fotografia no século 19, onde imagens de cenas históricas ou originais eram encenadas por atores, modelos, ou pessoas comuns que posavam silenciosamente e sem fazer movimentos.

Off for the Sabbot (“A Caminho do Sabbot), William Mortensen (aprox. 1927).
(Imagem: Reprodução/Internet; Hyperallergic)

Flying Witch (Myrdith) (“A Bruxa Voadora (Myrdith)”), William Mortensen (aprox. 1930). Myrdith Monaghan (na foto), segunda esposa de Mortensen, e George Dunham, amigo e colaborador do fotógrafo, foram os modelos mais significativos de Mortensen, ajudando-o a produzir seus mais importantes trabalhos.
(Imagem: Reprodução/Internet; Hyperallergic)

E é na imagem feminina que se concentra o elemento erótico da obra do artista, mesmo que o termo “grotesco” ainda seja o adjetivo mais usado para definir o trabalho e o talento de Mortensen. Por exemplo, a parede dedicada aos nus na atual exibição do artista em Nova York, segundo Claire Voon, “mais se assemelha a um altar à beleza do corpo feminino”. Para Voon, é nesse ponto que a exibição “repentinamente se torna mais natural, com cenas tranquilas que evocam o tom das imagens eróticas que estão bem longe das prévias imagens de pesadelo”.

The Heretic (“A Herege”), William Mortensen (aprox. 1926). “Se os inquisidores fracassassem em suas buscas para encontrar provas ou para extrair uma confissão, ela seria submetida à persuasão adicional da tortura. Após receber algumas torturas preliminares, eles apertaram uma corda em seu pescoço e lhe deram a última oportunidade para se confessar e se retratar. Este é o momento representado em A Herege. —Mortensen
(Imagem: Reprodução/Internet; 50 Watts)

Untitled (possession), (“Sem Título (possessão)”), William Mortensen (aprox. 1927).
(Imagem: Reprodução/Internet; Hyperallergic)
A atual febre dos memes que viralizam na Internet, evidencia o fato de que hoje as diversas formas de manipulação fotográficas são vistas com um grande apreço. Mas na primeira metade do século 20, Mortensen foi considerado “um anacronismo na fotografia, um forasteiro em uma área que rejeitava as montagens teatrais, os retoques e os temas imaginativos muito fortes”, observa Cary Loren.

An Episode of the Barbary Coast (also titled: The Spanish Main) (“Um Episódio de Barbary Coast”, também intitulado de “O Caribe Espanhol”), William Mortensen (aprox. 1932). A obra Um episódio de The Barbary Coast “mostra um homem sorrindo enquanto ele curva uma mulher em seus braços, como se estivessem dançando. Sua mão levantada, no entanto, segura fortemente um espeto apontado para o peito exposto da mulher; ela está com sua boca bem aberta, e seu grito parece quase audível. A aura sedutora do trabalho de Mortensen reside neste emparelhamento do horrível com o belo—como a figura sensual, graciosa da nudez feminina—provocando tanto repulsa quanto uma estranha e imprópria sensação de prazer”. (Claire Voon)(Imagem: Reprodução/Internet; Hyperallergic)

The Vampire (“O Vampiro”), William Mortensen (aprox. 1936). “...alguns têm sugerido que o medo da morte é o motivo básico de todo tipo de arte, levando os homens a tentar imortalizar um pouco de si em um material mais duradouro do que a carne...” —Mortensen
(Imagem: Reprodução/Internet; 50 Watts)

Claire Voon vê Mortersen como um verdadeiro pioneiro da arte da manipulação visual:

“Muito embora as obras de Mortensen tenham sido incluídas nas mais importantes publicações da área de fotografia, e a sua Mortensen School of Photography (Escola de Fotografia Mortensen) tenha atraído milhares de alunos ao longo dos anos, os críticos de suas técnicas não convencionais quase conseguiram limpar seu nome do rol de fotógrafos consagrados. Mas, como a fixação difundida hoje em dia com o Photoshop e com outros processos de manipulação de imagens indica, Mortensen com os seus métodos meticulosos foi um verdadeiro pioneiro de sua época”.

L’Amour (“O Amor”), William Mortensen (1935). “Sexo, é claro, é o tema de interesse, o qual aqui é dado uma pungência mórbida adicional por conta das implicações sádicas do tema”. —Mortensen
(Imagem: Reprodução/Internet; 50 Watts)

William Mortensen morreu de leucemia em 1965. Mas neste ano ele é celebrado na exibição “William Mortensen: American Grotesque” que fica aberta na Stephen Romano Gallery (111 Front Street, Suite 208, DUMBO, Brooklyn) até o dia 30 de novembro.

Além da exposição, a editora Feral House recentemente republicou “The Command Look” (“O Comando do Olhar”) de Mortensen. A mesma editora também lança o livro “American Grotesque: The Life and Art of William Mortensen” (“O Grotesco Americano: A Vida e Arte de William Mortensen”), uma coleção de fotografias do artista com ensaios relacionados. Claire Voon explica que a nova versão do livro de Mortensen inclui textos adicionais sobre a sua carreira e que fazem uma exploração sobre o seu impacto sobre Anton LaVey, o fundador da Igreja de Satã. LaVey, influenciado pelas teorias de manipulação visual de Mortensen, incluiu o fotógrafo na dedicatória de sua Bíblia Satânica.

c&p

Fonte: Cary Loren, “Monsters and Madonnas: Looking at William Mortensen”, em 50 Watts; Claire Voon, “The Antichrist of Early-20th-Century Photography”, em Hyperallergic; Chris Campion, “William Mortensen: photographic master at the monster’s ball”, em The Guardian; Larry Lytle, The Command to Look: The Story of William Mortensen, Part I, em The Scream Online; Center for Creative Photography, William Mortensen Photograph Collection.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

('Trollagens' e comentários desrespeitosos e ofensivos não serão publicados):