Robert De Niro Fala Sobre a Obra e a Homossexualidade de Seu Pai

Robert De Niro Jr. e seu pai Robert De Niro Sr., meados dos anos 70.
(Foto: Reprodução/Internet, Visionary Artistry Magazine)

Leia toda a entrevista de Robert De Niro para a Out Magazine.

O documentário Remembering the Artist: Robert De Niro, Sr. (Relembrando o Artista: Robert De Niro, Pai), projeto do lendário ator Robert De Niro, estreará em 9 junho nos Estados Unidos no canal HBO. E é através deste documentário que o ator nos conta a estória de seu pai, pintor homossexual que morreu 20 anos atrás vítima de câncer.

Em recente entrevista para a Out Magazine, revista voltada para a comunidade LGBT dos Estados Unidos, Roberto De Niro fala de forma sincera, aberta, e emocional sobre sobre sua decisão de contar a vida de seu pai, Robert de Niro Sr. (1922-1993). Segundo o ator, o documentário, no qual ele é narrador, servirá como um legado para as novas gerações de sua família bem como uma forma de divulgar a obra do pai ao mundo.

Traduzimos e postamos abaixo a entrevista com o ator Robert De Niro, conduzida por Jerry Portwood e publicada originalmente na Out Magazine no dia 27 de maio de 2014.


Robert De Niro: Me & My Gay Dad (Eu & Meu Pai Gay)
Por Jerry Portwood

O lendário ator compartilha a estória do seu pai, um artista que lutou pelo reconhecimento enquanto a cidade se transformava ao seu redor.

Muitos de nós achamos que sabemos quem é Robert De Niro. Nós o conhecemos como Travis Bickle ou Vito Corleone ou tantos outros gangsters ou vilões. A sua habilidade de combinar ama virtude corrompida com um grande pesar e sagacidade—juntamente com uma sensualidade espantosa—o tornou um herói cinematográfico com a aparência de durão. Por isso, talvez, seja tão chocante o ver tremer e soluçar enquanto fala sobre seu falecido pai, que viveu abertamente como um homem gay.

Já fazem mais de 20 anos que Robert De Niro Sr. morreu de câncer, mas sua memória é recente para o seu filho que preservou o apartamento-ateliê do pai no bairro do SoHo, na cidade de New York. Por ainda estar repleto de livros, pincéis, e centenas de telas e pinturas, algumas das quais ele nunca finalizou, parece que papai deu uma saidinha para um cafezinho e logo estará de volta para finalizar uma natureza morta antes do jantar. O apartamento é mantido como um sereno santuário a um artista que poucos conhecem, talvez por confundirem as suas pinturas figurativas por uma tela de Matisse ou outro mestre francês. “Esta foi a única maneira de manter a sua existência viva”, explica De Niro. “Para mim ele sempre foi um grande artista”.

Hoje aos 70 anos, o ator decidiu revelar este santuário escondido, bem como seus próprios conflitos com a memória de seu pai, em um novo documentário que estreia no dia 9 de junho na HBO. Em Remembering the Artist: Robert De Niro, Sr. (Recordando o Artista: Robert De Niro, Pai), dirigido por Perri Peltz, o filho se debulha em lágrimas enquanto lê uma passagem do diário de seu pai. Ele compartilha estórias íntimas do desespero do pai em relação a sua orientação sexual e sua reputação artística estagnada. Em um certo ponto, enquanto De Niro ascendia na fama em Hollywood, ele tentou como último recurso resgatar seu pai que estava vivendo em Paris, onde passava por grandes dificuldades como artista. É claro que De Niro lamenta não ter podido ajudar mais seu pai antes do seu falecimento, e o filme se torna um comovente retrato de um filho que quer ressuscitar o legado do pai antes que seja tarde. A Revista Out pôde ter uma rara visão da vida pessoal do lendário ator, passando um dia com ele no ateliê de seu pai. De Niro revelou um lado frágil, suave, ao explicar porque ele espera que o trabalho de seu pai sobreviva.

Depois de ver o ateliê no documentário, eu me perguntava o quê este espaço significava para você. Muitas pessoas visitam o ateliê?
Eu trouxe umas pessoas aqui durante estes anos. Eu já fiz uma ou duas recepções aqui. Quando eu pensei que deveria deixar isso tudo pra trás, três ou quarto anos atrás, eu gravei o ateliê em vídeo, tirei fotografias e documentei tudo. Mas depois eu disse, “Eu simplesmente não posso fazer isso”.

É uma experiência diferente quando se está aqui do que quando se vê tudo isto em fotos. Eu fiz isto para os netos e para meus filhos mais novos que não conheceram o avô.

Eu fico impressionado que o SoHo tenha estes espaços escondidos que, apesar de tudo, nunca parecem mudar.
Exatamente. E eu gosto de coisas que não mudam. Eu gosto de consistência. Constância. As pessoas esperam por tradição, elas retornam, a tradição ainda está ali, nada mudou. É como quando você vai a um certo restaurante e você retorna ao restaurante, e de repente ele mudou porque eles contrataram um novo chef. Se não está quebrado, não conserte. Este espaço está aqui, e em 20 anos as pessoas não saberão como realmente seria um espaço como este, a não ser que ele fosse recriado em um museu.

Após a morte de seu pai, você trancou a porta e não retornou? Ou você deu um tempo antes de decidir o quê faria?
Eu não pensei em simplesmente vender ou desmantelar tudo. Por sorte eu pude arcar com a manutenção deste espaço, e eu deixei as coisas como elas estão. Minha mãe estava viva na época. Eu não me lembro o quê discutimos. Eu documentei e examinei as coisas para ter certeza que tínhamos catalogado tudo, e depois eu disse, “Eu vou manter isto aqui como está”.

O antigo ateliê dele, que fica a uma quadra daqui, talvez há 60 anos, não era como este aqui. Naquela época era como a Sibéria—sério—na rua West Broadway ou na LaGuardia Place. Este lugar era da minha mãe e depois ela deu para o meu pai; eles eram amigos. Ela veio pra cá há muito tempo atrás. Ela tinha um apartamento no Meatpacking District [Distrito de Carne em Manhattan], tipo, 50 anos atrás.

Quando você começou a ler os diários do seu pai?
Eu nem li todos os diários—eu só comecei. Eu li os que foram usados no filme, mas não li todo material. Eu vou ler, com certeza.

Uma coisa no filme que foi muito tocante para mim foi o fato de que você recebeu o nome do seu pai. Como você se sente sobre isso—compartilhar um nome—e quando você se tornou mais famoso do que a pessoa do nome que você recebeu?
[De Niro começa a chorar, retira seus óculos, e pausa para se recuperar.]
Eu fico emocionado. Eu não sei porque.

O menino Robert De Niro Jr. com o seu pai Robert De Niro Sr.
(Foto: Reprodução/Internet, Hello Magazine)

Quando você era mais novo, parece que vocês tinham problemas se relacionando um com o outro.
Nós não éramos do tipo de pai e filho que jogavam basebol juntos, como você poderia supor. Mas nós tínhamos uma conexão. Eu não ficava muito com ele, porque ele e minha mãe estavam separados e se divorciaram. Como eu digo no documentário, eu cuidei dele de certa maneira.

De quê forma?
Eu penso nos meus próprios filhos. Eu tento me comunicar com eles, mas é difícil. Eu brinco sobre isso com eles. Eles têm os seus problemas de adolescentes. Eu dou espaço a eles, mas quando eu tenho que me envolver e ser firme sobre alguma coisa, eu sou. Mas o meu pai não foi um mal pai, ou ausente. Ele foi ausente de uma certa forma. Ele era muito carinhoso. Ele me adorava… assim como eu adoro meus filhos.

Acredito que as pessoas devam estar curiosas porque, de um certo modo, você está saindo do armário por seu pai. Ele talvez não tivesse escondido o estilo de vida dele ou quem ele era, mas isto não era de conhecimento de todos.
Eu senti que precisava fazer isto. Eu me senti obrigado. Era minha responsabilidade fazer um documentário sobre ele. Sempre estive planejando fazer este documentário, mas nunca fiz. Mas foi então que a Jane Rosenthal, minha parceira na Tribeca [empreendimentos], me disse, “Deveríamos começar a fazê-lo agora”. Não era nossa intenção que fosse ao ar pela HBO. Foi somente algo que eu queria fazer.

Eu tinha umas filmagens feitas por um cara que costuma seguir meu pai por aí nos anos 70. Começamos com isto. Eu comprei os filmes dele e entreguei para a Thelma Schoonmaker, que editava pro Marty Scorsese. Eu perguntei a ela o quê ela poderia fazer com aquilo, e ela montou e reuniu todo material—os filmes estavam caindo aos pedaços. Daí nós iniciamos o documentário [com o diretor Perri Peltz], realmente trabalhando, usando partes que fariam sentido. Minha ideia original era fazer algo sobre o meu pai para as minhas crianças—seja lá o quê fosse. Eu não sabia o quão longo seria. O negócio com a HBO é que eu achei que eles seriam objetivos sobre certas coisas. Eu disse, “Vamos ver o quê a gente consegue criar com isto”.

Tem alguma obra do seu pai que seja sua favorita?
Oh, eu tenho várias favoritas. Eu tenho Venice by Night (Veneza à Noite) na minha casa. Eu amo as que estão no Locanda Verde [restaurante do ator], no setor de grelhados no segundo andar. Há vários em preto&branco que são fantásticos. Eu gosto da delicadeza deles, do requinte. Eles têm um tipo de clareza. As obras dele são realmente fantásticas.

O quê significou ter pai e mãe que são artistas? Você começou atuando, e todos estes caminhos criativos significam muita rejeição, ouvir constantemente a palavra “Não”.
Quando eu era novo, eu não tinha medo de receber “não”. Eu digo para os meus filhos, eu digo pra todo mundo, “Se você não for, você nunca vai ficar sabendo”. Eu não interpretava isso como rejeição. Algumas coisas são empilhadas para funcionar contra você. Você está vindo sei lá de onde, começando—de certo modo isto também faz parte de toda euforia.

Eu gostaria de retornar a algumas das coisas dos diários que você leu no documentário, seu pai disse que ser artista era uma “aflição”, e ele achava que ser gay era um tipo de aflição. Você acha que ele estava em conflito com a paixão da vida dele?
Sobre a homossexualidade dele? Sim, ele provavelmente estava em conflito, sendo daquela geração, e especialmente sendo de uma cidade pequena. Eu não estava muito ciente de tudo aquilo. Eu gostaria que a gente tivesse conversado muito mais sobre isto. Minha mãe não queria falar muito sobre as coisas em geral, e você nem está interessado quando você tem uma certa idade. De novo, pelos meus filhos, eu quero que eles parem por um momento e percebam que às vezes temos que fazer as coisas agora e não mais tarde, porque mais tarde pode ser daqui a 20 anos—e aí é muito tarde.

Robert De Niro Jr. e seu pai Robert De Niro Sr., meados dos anos 70.
(Foto: Reprodução/Internet, Visionary Artistry Magazine)

Parece que você está tentando recuperar o legado de seu pai, talvez para fazer que o nome dele dure mais do quê o seu.
Bem, nunca se sabe. A arte dele poderia durar mais do quê os meus filmes. Muito embora com esse negócio digital, eles sempre estarão lá. As grandes obras deverão durar para sempre.

Alguns de seus contemporâneos, como Al Pacino, fizeram filmes de tema gay. Eu me pergunto se a orientação sexual do seu pai talvez tenha influenciado as suas escolhas. Houveram projetos de filmes que você não quis participar por causa do seu pai?

Não, eu não… aqueles papéis foram coisas que eu simplesmente fiz ou quis fazer. Não falarei pelo Al [Pacino]. Ele fez aquele papel porque era um bom papel na época. Aquilo não aconteceu pra mim.

Não aconteceu porque você estava fugindo de alguns papéis?
Não, eles não me foram oferecidos. Se esses papéis tivessem sido oferecidos a mim por um bom diretor, eu os teria considerado.

Sua filha Drena está no documentário, e na verdade ela posou para o seu pai.
Sim, ele fez uns ótimos quadros dela. Raphael, meu filho, era muito impaciente para ficar sentado e quieto. Eu também era. Mas ele fez uns ótimos quadros dela. Aquilo foi entre eles. Ele pedia a ela para posar pra ele. Eu gostaria de ter pressionado ele para fazer retratos de todos nós.

No documentário, você revela o fato de que o seu pai frequentemente se sentia superior. Este tipo de ego é algo que uma pessoa criativa precisa para sobreviver. Você acha que isto foi passado para você?
De certa maneira, mas eu gosto de estar rodeado de pessoas. Ele passou muito tempo sozinho, ou com um objeto ou um modelo. Aquilo era a coisa dele. O quê eu me lembro dele dizendo é , “Pessoas, o quê elas apreciam na arte, é o gosto delas. E isto é tão válido como qualquer outra coisa”. Por outro lado, ele tinha padrões muitos altos. Quando um certo artista surgia—Warhol foi obviamente um deles—de encontro aos seus padrões, ele totalmente não entendia. Mas esta é uma outra estória. Existem pessoas que não sabem muito sobre arte, mas elas compram arte como um investimento que ganhará valor, assim como um diamante. Eles não necessariamente sabem o quê é boa arte. Eles não se importam.

O pintor Robert De Niro Sr. trabalhando em uma de suas obras.
(Foto: Reprodução/Internet, Hello Magazine)

Já que você está compartilhando o trabalho dele desta maneira, você também tem planos para compartilhar os diários?
Não tenho certeza. Eu vou ter que examiná-los e conversar com todo mundo sobre o quê eles pensam. Eu não tenho nenhum problema com isso. Os diários também são parte do legado dele—parte do quê ele foi, do que ele sentia.

Muito embora você tenha dito que esta informação já seja de conhecimento público, é muita coragem compartilhá-la. Teve alguém que disse, “Não faça isto?”
Não, não. Eu acho que está na hora. Eu pensei sobre isto, claro, mas se você vai fazer algo, você tem que ir fundo. Você não pode esconder nada. Isto é que faz todo o sentido—a verdade. As pessoas se sentem atraídas a isto. Eu deveria ter feito isto 10 anos atrás, mas estou feliz por fazê-lo agora.

c&p

6 comentários:

  1. Já admirava Robert De Niro ante e o admiro muito mais agora, vendo que além de um grande ator, ele é um ser humano livre de preconceitos.

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    1. Anônimo, você tem razão, o cara é "bom" em vários sentidos.

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  2. Mais uma modinha de um ator decadente e que só fez papel de: Robert De Niro!

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    1. Oi Anônimo.

      O seu comentário nos intrigou bastante... Mas ao nosso ver, tudo ainda indica que Robert De Niro já alcançou o quê muitos atores gostariam de ter podido alcançar pela metade. É simplesmente difícil acreditar que na idade dele, e com tudo que ele já realizou, ele se sinta obrigado a provar o quê seja para alguém.

      E caso este documentário seja uma "modinha" (?), isto apenas prova que ele ainda é o "cara"!

      Obrigado pela visita e pelo seu comentário.

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  3. Só um detalhe, meu caro, "ESTÓRIA" não existe... No mais, o texto está muito bom. Parabéns!

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    1. Oi Anônimo,

      Ótimo comentário. Nós já falamos sobre nossa afeição pela palavra "estória" antes, em outra postagem, em outro comentário, e pelo jeito vamos continuar falando…

      Em um Brasil de "nerds", "commodities", "pets", "pet shops", "shopping centers", "Bandnews", "Globonews", "pop stars", "drinks", "playgrounds", "lan houses", "diet", "light", "Barman", "camping", "baby-sitter", "loft", "banner", "teens", e várias outras palavras em inglês que já foram--e estão sendo-- absorvidas pelo brasileiro e pela grande imprensa, sem muito ou nenhum critério baseado em acordos linguísticos, é extremamente interessante como muitos tomam o uso da palavra "estória"--versão aportuguesada de "story"--como um verdadeiro confronto ao português e talvez contra a soberania nacional (exagero nosso; um pouco de drama).

      Entendemos que há uma lei (acordo) que baniu tal palvra do português. Mas ainda gostamos dela, de verdade. E vamos continuar usando-a, pois ela ainda faz muito sentido para nós. E acredite, em alguns poucos anos haverá um novo acordo linguísticio no Brasil.

      No mais, ficamos felizes que você tenha gostado da postagem! Obrigado pelo comentário.

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