Close-up do cacho de uma planta cannabis fêmea - Foto via Wikimedia Commons |
Depois que o Uruguay corajosamente decidiu legalizar o uso
da maconha, aquele país arriscou em uma nova estratégia para a diminuição da
violência causada pelo tráfico. Pepe Mujica, no entanto, também tornou possível
a descriminalização da vida de vários de seus cidadãos, tirando-os de uma
cladestinidade simplesmente desnecessária ao Estado. E assim como em quase todo
o mundo, o debate sobre a legalização da maconha no Brasil continua a incendiar
a cabeça das pessoas. Muitos brasileiros se posicionam radicalmente opostos a
tal decisão e na maioria dos casos esse posicionamento se dá pela reconstrução
do mito de que a droga é maligna.
Na tentativa de ajudar a desconstruir esse mito que nos faz
crer que a maconha é algo radicalmente pior do quê o álcool que ingerimos desenfreadamente,
eu traduzi este artigo de Joseph
Stromberg e publicado na revista do Instituto Smithsonian. Acreditando que a
simples repetição de supertições sobre a planta pode se tornar uma coisa
cansativa e nada produtiva, vejo a informação científica como o única base
para acompanhar e entender tal debate de maneira lúcida, e desta maneira nos
ajudar a tirar conclusões. Espero que vocês curtam a informação que o artigo
oferece sobre mais uma das facetas da maconha. E bom apetite.
Artigo publicado originalmente em 9 de fevereiro de 2014 na
Uma Explicacão Científica de Como a Maconha Causa a Larica (Fome)
O THC parece aumentar nossa sensibilidade aos aromas e aos sabores através das redes de neurônios que ocorrem naturalmente para convencer o cérebro de que ele está faminto.
Artigo de Joseph Stromberg
9 de fevereiro de 2014
Este é um dos mais conhecidos efeitos da maconha: O poderoso aumento repentino
do apetite que muitos usuários sentem após fumarem ou ingerirem a droga, e quê
é coloquialmente conhecido como “larica” (the
munchies em inglês).
Desta forma, o uso medicinal em pacientes que apresentam problemas
alimentares devido a quimioterapia pode ser o grande benefício da droga. Certamente,
para os usuários recreacionais tal benefício também pode ser agradável, mesmo
que indelicado à cintura. Mas por anos os cientistas têm lutado para entender
como o ingrediente ativo da maconha—o tetrahidrocannabinol, ou THC—estimula o
apetitie.
Um novo estudo publicado hoje no jornal Nature Neuroscience nos aproxima da solucão do mistério. Um time de
neurocientistas europeus, liderado por Giovanni Marsicano da Universidade de Bordeaux,
descobriu que o THC em camundongos se encaixa nos receptores do lobo olfativo do
cérebro aumentando significativamente a habilidade do animal de cheirar a comida,
e assim levando-os a comer mais. A pesquisa indica que grande parte da razão de
comermos mais após usar a maconha, seria simplesmente pelo fato de podemos
sentir mais intensamente o cheiro e o gosto da comida.
Este efeito do THC está relacionado com a razão básica pela
qual ele afeta o cérebro humano tão potentemente em primeiro lugar.
Provavelmente produzido pela planta da maconha como uma auto-defesa contra
herbívoros que se sentiriam desorientadoso após comê-la e passariam a evitá-la
no futuro, o THC se encaixa nos receptores que são parte natural do sistema endocanabinóide,
o qual ajuda a controlar emoções, memória, sensibilidade a dor e o apetite.
Normalmente nossos cérebros produzem suas próprias substâncias químicas
(chamadas canabinóides) que se encaixam nesses mesmos receptores, por isso,
através da imitação dessa atividade do cérebro, o THC pode alterar
artificialmente os mesmos fatores controlados pelo nosso sistema
endocanabinóide de maneira dramática.
Os cientistas começaram a expor os camundongos (animal que
vem crescentemente sendo usado em pesquisas neurocientíficas pela grande e
surpreendente quantidade de similaridades cognitivas que compartilha com o ser humano)
aos óleos
de banana e de amêndoas como teste de sensibilidade aos aromas. A princípio os
camundongos cheiraram os óleos extensivamente e depois pararam de mostrar
interesse neles, um fenômeno bem conhecido e chamado de habituação olfativa. Entretanto,
os camundongos que receberam uma dosagem de THC, permaneceram a cheirar,
demonstrando uma sensibilidade acentuada aos aromas. Esses camundongos que receberam
a dose de THC também comeram muito mais quando tiveram a chance, demonstrando
um aumento de apetite.
Os pesquisadores também criaram geneticamente alguns
camundongos que não possuíam o receptor de canabinóides nos seus lobos olfativos
e os sujeitaram a mesma experiência. Eles descobriram que mesmo que estes
camundongos tivessem recebido o THC, este não teria surtido efeito: Eles se
acostumaram ao aroma, mostrando que o poder da droga no aumento do olfato envolve
atividade naquela região do cérebro que faltava nesses camundongos. Ainda,
estes camundongos não demonstraram um aumento no apetite quando receberam a
droga, demonstrando que o efeito “larica” é também dependente da atividade do
lobo olfativo.
O resultado de tudo isso: Se camundongos são modelos exatos
para os humanos, uma das maneiras pela qual o THC aumenta o apetite seria nos
fazendo mais sensíveis aos aromas e a comida. E pelo fato do aroma e do sabor
serem tão relacionados um ao outro, é provável que isso também nos permita degustar
melhor os sabores dos alimentos.
Essa nova descoberta é provavelmente apenas uma parte do
quebra-cabeça que é a relação entre THC e apetite. Pesquisas anteriores
demonstraram que a droga também age nos receptores na região do cérebro chamada
de nucleus accumbens, aumentando a
liberação do neurotransmissor dopamina—e da sensação de prazer—que resulta do
ato de comer enquanto se está doidão. Outro estudo revelou que o THC interage adicionalmente
com os mesmos tipos de receptores do hipotálamo, levando a liberação do
hormônio ghrelin, o qual estimula a fome.
Um aspecto que liga todos estes mecanismos discrepantes é
que todos eles envolvem os sistemas endocanabinóides natural do cérebro. O THC—e,
por consequência, a maconha—funcionam na maior parte através da manipulação dos
mesmo caminhos que o cérebro normalmente usa para regular os sentidos.
Mas talvez o mais interessante é que o novo estudo oferece
uma metáfora convincente para a maneira em o THC manipula este sistema natural
do cérebro: Ele imita as sensações sentidas quando somos privados de comida.
Como teste final, os pesquisadores forçaram alguns camundongos a jejuar por 24
horas e descobriram que isto elevou os níveis naturais de canabinóides no lobo
olfativo. Não surpreendentemente, estes camundongos famintos mostraram grande
sensibilidade olfativa e também comeram muito mais.
O mais intrigante é que os camundongos modificados geneticamente,
com o lobo olfativo que não tinham os receptores canabinóides, não mostraram
aumento na sensibilidade olfativa ou aumento de apetite mesmo quando eles
estavam famintos. Isto indica que tanto o THC quanto os canabinóides naturais
que resultam da fome, estão agindo na mesma trilha neural que nos permite cheirar
e saborear com maior sensibilidade e, consequentemente, comer mais. Em outras
palavras, o THC parece nos causar a larica ao convencer nossos cérebros que
estamos morrendo de fome.
c&p
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